Tuesday, March 13, 2007

Selvagem Funk Familiar

A conveniência em simplificar e atribuir a um só fator a responsabilidade da violência carioca existe. Existe para certos poderes e uma parcela (podre) da sociedade do Rio de Janeiro e do Brasil. Repentinamente, o funk se torna o símbolo desta violência e familiar para os brasileiros da pior forma possível. Este tema tão importante, é o tema central do texto de Hermano Viana: “O Funk como Símbolo da Violência Carioca”.
A passagem do funk de um certo “anonimato” para a sua familiarização social, se deu a partir de um fato que imediatamente se tornou manchete em todo o país: O “Arrastão”.
O Arrastão, que ocorreu na praia do Arpoador, em 18 de outubro de 1992, no Rio de Janeiro, foi o marco entre o funk e o desenvolvimento da percepção da violência (e das causas da violência) na vida da cidade. Afirmavam que os muitos delinquentes seriam funkeiros, e aquele ritmo passou a ser símbolo desta violência.
Um fato curioso é que naquele ano o Rio de Janeiro estava às vesperas de eleições municipais. Seria o episódio do arrastão, uma armação política? Isso ninguém pode afirmar. Porém, independente do que tenha acontecido nos bastidores da notícia, o resultado de uma investigação, seja qual for, nada será suficiente para mudar as imagens que ficaramgravadas na memória urbana carioca.
O arrastão, segundo o autor do texto, lhe deu muito trabalho, pois foi chamado para várias entrevistas e palestras , agora com bastante diferença dos trabalhos anteriores. Antes, era preciso levar gravadores, fitas etc, para exemplificar para seu público alvo o que era o funk, pois dificilmente o conhecia. Hermano Viana ainda nos confessa sentir nostalgia das reações dos iletrados do funk daquele tempo.
O interesse inicial do autor pelo funk consistia basicamente neste ser um fenômeno de grande proporção, existindo na cidade em que vivia e sendo ignorado pelos membros de vários grupos sociais com os quais ele convivia. Daí o funk passou a ser seu objeto de estudo.
A distância e o desconhecimento entre os grupos de elite e grupos das classes médias, fizeram do funk uma música inaudível, apesar de seu barulho, por mais de 25 anos.
A tranformação familiarizada nem sempre é uma domesticação. O funk ficou muito mais “selvagem” ao se tornar familiar. Após o arrastão, o funk passou a ser visto como um fenômeno violento. A violência, e não a diversão, se transformou na sua principal marca e os funkeiros foram estigmatizados. Movimento “exótico” e estereotipado.
O grau de “exotismo” de um fenômeno social é uma função quase direta da possibilidade de vê-lo transformado em estereótipo por grupos para os quais esse fenômeno é consederado exótico.
Outra relação importante, é a evolução do samba diante à do funk. O samba também surgiu como um ritmo do morro, porém possuía e agora, mais do que nunca, possui vários mediadores (pessoas que circulam entre vários grupos sociais) em seu processo de firmamento na cultura popular. E por isso se transformou em símbolo nacional brasileiro.
Já o funk, foi incapaz de prodizir seus próprios mediadores, já que estes são imprescindíveis em regimes de complexidade social e heterogeneidade cultural. Por outro lado, enquanto a mídia bombardeava o funk, Xuxa fazia um “trabalho de base” em seu programa na TV. Adepta do ritmo, ainda assim, não consistia em uma mediadora.
É preciso evitar estereótipos, outras simplificações e esquematizações sobre a realidade social: nem a mídia é uma entidade homogênea, nem a elite ou o povo também o são. Então, é interessante o levantamento de vários fatores que antecedem este “problema” (razões políticas, econômicas e sociais), para entendê-lo de verdade.
Definitivamente, um ritmo por si só seria incapaz de ser responsável por toda essa violência em que vivemos, intrínseca e solidificada em grandes sistemas, no Rio de Janeiro. A facilidade conveniente para esta atribuição deve sempre ser contestada. Não se deve deixar que a fome, a miséria, o desemprego e o analfabetismo somente dançem conforme o batidão. Na verdade, o funk existe també para cantá-los. Eles sim podem ser a verdadeira causa.

Trabalho produzido a partir do estudo baseado no texto do Hermano Vianna, "O Funk como síbolo da violência Carioca", para a disciplina Realidade Sócio-política e Econômica Brasileira, Prof. Marcos Alvito.

A Tradição Moderna das Escolas de Samba e a Legalização de um Poder Ilegal

O Carnaval, como uma das maiores festas comemorativas e simbólicas do Brasil, está inserido em um contexto histórico-político bastante interessante e de clara e direta relação com vários outros temas, que vão além de aspectos puramente culturais.
A inserção do poder da contravenção no comando do carnaval carioca, permeado por todo o seu histórico e origens, é o tema central de estudo da doutora em Sociologia e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Myrian Sapúlveda dos Santos, exposto no texto “Mangueira e Império – A Carnavalização do Poder pela Escolas de Samba”. Nele, ela faz um apanhado geral do surgimento dos blocos e escolas de samba e sua “evolução moderna”, tendo como um objeto mais próximo as Escolas Mangueira e Império Serrano, duas das pioneiras no Rio de Janeiro. E levanta questões polêmicas com relação à concepção carnavalesca atual quando comparada à do passado. A dicotomia: “tradição” x “modernidade” e a disputa e a correlação de poderes existentes dentro das diretorias das escolas de samba.
A origem das escolas de samba demonstrou a associação entre a expressão musical extremamente criativa de parte da população carioca, as políticas governamentais, o mercado de bens culturais e os interesses da mídia. Com isso, os espaços dos blocos carnavalescos foram alterados. Houve uma adaptação à algumas novas posições de organização do desfile. Sendo que muitas das escolas surgiram desses próprios blocos.
A primeira questão, e de bastante relevância, a ser levantada pela Myrian Sapúlveda dos Santos, é a discussão entre a “tradição” e a “modernidade” dos desfiles cariocas. Será que atualmente há entre os foliões um ar de congraçamento e solidariedade como havia no passado? Ainda persiste o espírito de inversão de valores e suspensão de hábitos no período carnavalesco, e a transformação de sentimentos conturbados e repressões em fantasias? Ou transformou-se apenas produtos culturais homogênios e padronizados, voltado para consumidores passivos, incapazes de um pensamento crítico e da audácia de uma nova experiência?
Com relação à todas estas perguntas, percebe-se um tom maniqueísta de questionamentos que não é necessário. De fato o desfile das escolas de samba tornou-se uma gigantesca indústria cultural cujo o produto é mercantilizado, como afirma a Myrian em seu texto. Porém, a modernização é um processo natural em todos os ambientes e concepções. Tem que andar de mãos dadas com a tradição. E isso é possível. Um exemplo claro é a Mangueira, que com seu discurso de defesa da tradição, atualmente pode ser considerada uma das escolas mais modernas. Lembrando-se também da Império Serrano, que já surgiu (em 1947, a partir de um racha com a Escola de Samba Prazer da Serrinha) trazendo grandes inovações em seu carnaval. Para o mestre Fuleiro, um dos fundadores da Império Serrano, essas novidades é que significavam a verdadeira tradição.
Evidentemente, as defesas de tradição e modernidade estão ligadas a uma questão de poder. Os que não tem memória dificilmente têm poder. Dona Zica, da Velha Guarda da Mangueira, por exemplo, chega a associar a sua defesa da modernidade a seu afastamento das disputas internas de poder.
Várias relações ligadas a esta questão são percebidas quando se analisa todo o processo histórico e de aspectos sociais. O poder governamental, que estava presente na origem da organização do carnaval, e o poder interno nas escolas e suas diretorias, com a inserção de um poder ilegal, são pontos fundamentais.
No início da década de 30, o Rio de Janeiro vivia sob as medidas populistas do interventor de Getúlio Vargas, Pedro Ernesto, que contribuíram para o sucesso do samba nas rádios e no cenário carioca, e por conseguinte proporcionaram a organização das primeiras escolas de samba. Alguns sambistas do carnaval “não-oficial” (de rua e paralelo aos desfiles) se integraram à Era Vargas. Tiveram seu espaço regulamentado e oficializado à custa de compromissos diversos com o governo. A partir daí, vários são os vínculos das escolas e o governo.

Em 1936, Pedro Ernesto foi afastado de seu cargo por Getúlio, mas nesse período, o vínculo entre as escolas de samba e a máquina política pelo Estado já estava concretizado. Entre políticos e sambistas, prevaleceu a troca de votos pelo compromisso com o direito ao samba, práticas clientelistas.

Já a correlação de forças dentro das diretorias ligadas à relação supracitada das atuais escolas de samba, desagua em (e/ou decorre de) um processo que a Myrian Sapúlveda dos Santos chama de “Carnavalização do Poder”.

As escolas de samba são grandes empresas milionárias quase todas controladas por donos do jogo do bicho ou do tráfico de drogas, que vêm exercendo junto à comunidade as funções do Estado e do mercado. Os poderes da contravenção transformam antigas mediações políticas e sociais, contribuindo ainda mais para essa carnavalização.

Houve uma legalização e organização de parte da malandragem, pelo Estado, legitimando o “ilegal”. Os malandros da ordem mantinham um vínculo de “camaradagem”.

Em 1960, o pacto clientelista se desfez, pois o Estado não tinha condições de financiar as escolas, então os desfiles começaram a ser comercializados (venda de ingressos e construção de grande arquibancadas). Com isso outros parceiros passaram a financiá-las: os banqueiros do jogo do bicho, oficialmente, já que havia um apoio informal anteriormente. O jogo do bicho era legal no período da organização e formação das escolas de samba, porém tornou-se proibido em 1946.

Nem sempre os bicheiros eram bem recebidos como novos “donos” nas escolas, mas em várias esse processo se dava de forma natural a aceitação como líderes comunitários. A Mangueira, por exemplo, nunca teve bicheiros, mas eles financiaram muitos carnavais da escola. Eles desempenharam um papel esperado do Estado pela comunidade, estabelecendo uma relação de fidelidade e compromisso com ela.

Nessa políticas de mecenas, os desfiles foram organizados seguindo vários padrões da “tradição”. É o estreito laço entre memória e poder.

Esse sistema deu às escolas dimensão econômica e social e tornou-se importante instrumento eleitoral. Eram negociados a permissão da ilegalidade e do direito de lavar abertamente o dinheiro obtido no jogo. Já o Estado passa a manter uma política clientelista indireta, com intermédio dos contraventores, deixando de lado a política de subvenções e passando a investir no carnaval com atividade turística.

A Myrian Sapúlveda dos Santos, levanta também a questão da privatização dos lucros das escolas de samba e a conquista da independência delas em relação ao Estado pelos banqueiros do jogo do bicho, que as patrocinam. As autoridades governamentais defenderam a tese de que privatização seria sinônimo de democratização, pois a renda obtida pelas escolas com o desfile as tornariam independentes tanto do Estado quanto dos contraventores. Evidentemente, a autonomia em relação ao Estado não significou autonomia em relação aos bicheiros: a democratização não ocorreu.

Os contraventores tornaram-se presidentes de uma entidade legal, em 23 de julho de 1984, com a fundação da Liga, reafirmando seu controle sobre as escolas de samba.

A ligação entre o jogo do bicho e o tráfico de drogas nunca foi provada. Porém os traficantes lideram as baterias e não não foi por fraqueza que eles não chegaram às escolas como força centralizadora,. Como ressalta muito bem a Myrian, “o tráfico é uma atividade mercantil por excelência, que cresce com o mercado consumidor, e mais atraente que foliões enlouquecidos”.

Diante de todos os aspectos levantados no referido texto, percebe-se que deve haver sim uma nostalgia de outros carnavais aliada à admiração dos atuais. A modernidade tem que ser um instrumento de reciclagem da tradição. O maniqueísmo neste caso só restringe a criatividade e originalidade dos foliões, da Velha Guarda e dos que promovem o “carnaval cultural”.

Voltando à questão do “carnaval político” interno, este já está enraizado por todo o processo “evolutivo” o qual sofreram as escolas de samba. Existe um comando, uma manutenção de um sistema. Seja do jogo do bicho, seja do tráfico de drogas. Chega até ser dispensável se prender à análise restritiva da ligação entre o tráfico de drogas com os bicheiros, até hoje não provada oficialmente. Pois é bem perceptível a influência destes no carnaval carioca.

Portanto, tem que haver uma consiência da cultura como base tradicional, integrada à evolução da modernidade natural, em tudo, inclusive nas escolas de samba. E com relação às disputas de forças e influências não tão “legais” (nos sentidos diversos da palavra) nas escolas, só serão resolvidas ou apenas bem entendidas, se analisarmos outras questões mais intrínsecas das comunidades. Assuntos mais primários de necessidades locais e de relações sociológicas. Ou seja, mergulhar de cabeça não só no carnaval em si, mas também em todos os outros dias do ano.

Texto produzido a partir do capítulo " Mangueira e Império - A Carnavalização do Poder pelas Escolas de Samba", do livro Um Século de Favela, organizado pelo Professor de História Marcos Alvito e Alba Zaluar. Trabalho entregue para a disciplina Realidade Sócio-política e Econômica Brasileira, ministrada pelo Prof. Marcos Avito.

A Noite Americana, de François Truffaut

A Noite Americana” (La Nuit Americaine – 1973), de François Truffaut, é, sem dúvida, uma aula para estudantes e amantes do cinema. Através da sua comicidade, de certa forma, desmonta a magia fantasiosa do cinema e nos leva à coisa palpável. À produção em si. À indústria. Ao processo tão importante e que cria determinados climas, tensões e intenções. E por quê não ilusões? Estas que são o ponto de partida para o sucesso do cinema nesses mais de cem anos.

Truffaut utiliza da leveza, da sutileza e do bom humor para tratar de um tema super importante no cinema. Como realizá-lo.

Totalmente metalinguístico e apesar disso, o filme consegue prender a atenção do público com um roteiro bem trabalhado, permeado de vários episódios engraçadíssimos e, enfim, desencadear na cena principal do filme (dos dois: do filme e do filme dentro do filme): a tão esperada “noite americana”. Uma noite artificial, produzida em plena luz do dia, especialmente para as gravações ou filmagens.

Tudo isso comandado pelo próprio Truffaut, que além de dirigir, atua em um ótimo papel do diretor do fime da história.

Enfim, inteligente, leve, sutil, bem escrito e real (com várias pitadas de exageros e deboches bem humorados). É assim o “Noite Americana”. Vale a pena ver, ouvir, aprender e se divertir.

A Noite Americana” (La Nuit Americaine – 1973), de François Truffaut, é, sem dúvida, uma aula para estudantes e amantes do cinema. Através da sua comicidade, de certa forma, desmonta a magia fantasiosa do cinema e nos leva à coisa palpável. À produção em si. À indústria. Ao processo tão importante e que cria determinados climas, tensões e intenções. E por quê não ilusões? Estas que são o ponto de partida para o sucesso do cinema nesses mais de cem anos.

Truffaut utiliza da leveza, da sutileza e do bom humor para tratar de um tema super importante no cinema. Como realizá-lo.

Totalmente metalinguístico e apesar disso, o filme consegue prender a atenção do público com um roteiro bem trabalhado, permeado de vários episódios engraçadíssimos e, enfim, desencadear na cena principal do filme (dos dois: do filme e do filme dentro do filme): a tão esperada “noite americana”. Uma noite artificial, produzida em plena luz do dia, especialmente para as gravações ou filmagens.

Tudo isso comandado pelo próprio Truffaut, que além de dirigir, atua em um ótimo papel do diretor do fime da história.

Enfim, inteligente, leve, sutil, bem escrito e real (com várias pitadas de exageros e deboches bem humorados). É assim o “Noite Americana”. Vale a pena ver, ouvir, aprender e se divertir.

Comentário breve produzido na disciplina Processo de Realização em Cinema e Audiovisual, com a Prof. Aída Marques.